Ocupar, resistir, produzir! Uma ocupação de fábrica na Grécia
Pensar no interior da experiência histórica, como em Vio.Me
“Ocupar, resistir, produzir” são palavras de ordem do Movimento Rural dos Trabalhadores Sem Terra, no Brasil. Em momento de crise mais extremada do capitalismo, na Europa esse também é um lema evocado por trabalhadores que resolvem assumir a história com suas próprias mãos, para empregar aqui uma expressão meio fora de moda, mas que ainda vale. Grécia, Itália, Alemanha, entre outros países europeus, mas também nações de outros quadrantes do planeta, têm experimentado esse processo: proprietários de fábrica abandonam a unidade de produção porque a crise, uma vez eclipsada a contradição entre capital e trabalho pelo financismo rentista, levou-os à falência; trabalhadores deixam a condição de subalternos – e, logo, de abandonados – e assumem a gestão do trabalho.
Este é o caso dos operários da Vio.ME[1], indústria de materiais de construção de Tessalônica, Grécia, que em 2013 começam a produzir por conta própria, depois que, havia pouco menos de dois anos, pararam de receber seus salários. A Vio.Me passa então a gerir-se na forma da democracia direta e a produzir produtos de limpeza que não poluem o meio-ambiente, além de promover uma rede de cooperação que inclui outros produtores organizados cooperativamente, como os de azeite. As relações políticas se estendem, com apoio internacional, inclusive de grandes intelectuais como David Harvey, Giorgio Agamben e Moishe Postone. No plano interno, as relações com o partido de esquerda Syriza – líder de uma complexa coalizão no governo grego, que inclui até os Gregos Independentes, nacionalistas de direita – já não são as melhores.
A autogestão dos operários da Vio.Me recoloca em pauta a identidade pelo trabalho e seu lugar nos processos econômicos e produtivos, a solidariedade entre trabalhadores, o internacionalismo deste movimento – há uma clara exortação a que o processo se dê também em outros lugares – e a força da oposição extraparlamentar, dada a falência dos velhos modelos de representação política.
Na semana passada, na Fundação Rosa Luxemburgo (rosalux.de), em Berlim, foi apresentado um breve documentário sobre o movimento, Vio.Me – Ocuppy, Resist, Produce! Eine Fabrikbesetzung in Griechenland (“Vio.Me – Ocupar, resistir, produzir! Uma ocupação de fábrica na Grécia”). Logo depois houve um debate que contou com a participação do diretor do filme, Dario Azzellini, com Tom Srohschneider, redator-chefe do Neues Deutschland (“Nova Alemanha”), jornal socialista berlinense, e com um interessado e bem preparado público.
A Fundação tem orientação claramente de esquerda e suas análises e atividades de transmissão estão orientadas criticamente. Sua sede é em um imponente e bem estruturado edifício em uma rua que sugestivamente se chama Comuna de Paris, perpendicular à Alameda Karl Marx. Tem escritórios em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Em suas atividades não há temor em enfrentar problemáticas difíceis, em incorporar diferentes questões (gênero, etnia, nacionalismos, migrações, entre tantas) nas ousadas análises, em pronunciar palavras como Socialismo e em se posicionar com delimitação política.
O documentário de Azzellini, de uns trinta minutos, compõe, junto com outros que ele vem realizando, projeto que deve redundar em pelo menos um longa-metragem. Em formato clássico, a narrativa opera com depoimentos e com imagens do cotidiano dos operários, dando peso para as relações de sociabilidade entre eles. Uma tese é que as novas estratégias de gestão gerariam também outras formas de vida. Camaradagem entre trabalhadores sorrindo – em takes que lembram um pouco ABC da Greve, de Leon Hirzman e mesmo Peões, de Eduardo Coutinho –, depoimentos em favor da cooperação, aprendizado da democracia direta, tudo isso vai desfilando na tela sob algumas ideias centrais. Uma delas é valor que há em dominar o processo completo de produção e, com ele, o de gestão, mesmo que – e não poderia ser diferente – nem todos produzam tudo, tampouco sejam administradores do processo. Isso inclui a tecnologia, que longe dos desígnios capitalistas, poderia se desenvolver de forma mais efetiva e libertadora. Não há como não lembrar de Antonio Gramsci, segundo o qual nem todos serão governantes, mas haverá que dominar os processos de governo para que os que estejam na direção possam ser controlados pelos dirigidos. Controle que, e esta é uma outra ideia central do documentário, não deve ser de uma casta de trabalhadores, mas da sociedade. Mas nela os que trabalham devem ser protagonistas e para tanto precisam alcançar uma consciência de classe que, segundo Azzellini, já no debate, ainda é muito inferior àquela dos industriais.
Ao final, uma moça da plateia perguntou ao diretor do filme se toda aquela experiência seria uma resposta social positiva, o que já é ótimo, ou se haveria nela algo alvissareiro que chegasse até a política. Azzellini respondeu que os operários em autogestão, mesmo auferindo um pequeno, mas significativo ganho mensal, mostram que algo novo é possível. Não é pouco e vale o recado para todos o que cerram fileiras no pensamento que se quer crítico. Ou ele se deixa alimentar pelo que não é apenas conceitual, mas encarnado no movimento da história, ou será só pensamento. E isso é muito, mas não o bastante para que crítico seja um adjetivo legitimamente empregado.
Kreuzberg, Berlim, outubro de 2015.
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